"Se não te agradar o estylo,e o methodo, que sigo, terás paciência, porque não posso saber o teu génio, mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito"
Bento Morganti - Nummismologia. Lisboa, 1737. no Prólogo «A Quem Ler»

domingo, 22 de novembro de 2009

Vamos conversar um pouco ...




Paisagem

Nestes dias, já um pouco invernosos, em que ao por do Sol, começa a saber bem ficar em casa, no conforto familiar para um agradável convívio, hoje decidi trocar algumas impressões convosco e divagar um pouco sobre o tema dos nossos encontros / desencontros: a bibliofilia.

Tomando como ponto de partida a análise de alguns pedidos de apoio que tenho recebido de leitores, e vamos lá compreender porquê, pois que, parafraseando Xavier da Cunha na sua «A Bíblia dos Bibliophilos» (1), que pode “este obscurantíssimo autor” contribuir para o ensino da bibliofilia?

Apesar da minha incultura nesta área, vou tentar expor algumas ideias, que me ocorreram na altura, e que com eles as partilhei.

Para se iniciar na “formação bibliófila”, penso que se devem ter em atenção alguns aspectos:

1) Gostar de livros!
Pode parecer uma redundância, mas começa aqui exactamente a verdadeira definição de bibliófilo, pois não o devemos confundir com um bibliómano. Se para o primeiro o livro surge quase como um “objecto de culto”, já para o segundo, a “compulsividade” para a leitura e a posse de todo e qualquer livro é a sua verdadeira paixão!
Para o bibliófilo o livro é também, ou principalmente, um objecto precioso, que implica uma análise “quase devota” das suas múltiplas características: edição, tipo de papel, colação, impressor, tipógrafo ou editora, presença de ilustrações ou não (e de que tipo?), brochado ou encadernado (tipo e qualidade), e isto só para enumerar os aspectos mais conhecidos, que permitem determinar da sua raridade, ou valor intrínseco, “verdadeiro crivo”, e diga-se que bastante fino, pelo qual um exemplar deverá passar para se ajuizar se merece, ou não, ser incluído na sua biblioteca.
Se considerarmos a ”alta bibliofilia” (séc. XV-XVII) com exemplares de uma magnificência incomparável, então o caso ainda se complica mais, pois a sua análise é praticamente só acessível para uma minoria e “bem esclarecida” de bibliófilos dada a sua grande complexidade.


21 – BUFFON (George-Louis Leclerc, comte de). Histoire naturelle, générale et particulière, avec la description du Cabinet du roi. Paris, de l’Imprimerie Royale, 1749-1767. 15 vol. — Histoire naturelle des oiseaux. Ibid., id., 1770-1783. 9 tomes en 10 vol. — Histoire naturelle. Supplément. Ibid., id., 1774-1789. 7 vol. — Histoire naturelle des minéraux. Ibid., id., 1783-1788. 5 vol. — LACÉPÈDE. Histoire naturelle des quadrupèdes ovipares et des serpens. Paris, Hôtel de Thou, 1788-1789. 2 vol. — Histoire naturelle des poissons. Paris, Plassan, 1798-1803. 5 vol. — Histoire naturelle des cétacés. Paris, Plassan, 1804. 1 vol. Ensemble 45 volumes in-4, veau marbré, filet à froid, dos orné de fleurons, pièces rouges et vertes, tranches rouges (Reliure de l’époque).


2) Parecendo um pressuposto simples – qual a dificuldade de analisar um livro? – trata-se do mais difícil de realizar, pois não existe nenhum tratado ou curso que nos ensine tudo isto!
Como podemos então aprender?
A leitura da informação disponível é fundamental, mas, na minha opinião, o contacto e a visita a livreiros-antiquários, bem como as conversas com outros bibliófilos, são talvez o “melhor curso” que se pode frequentar.
Pois só eles nos podem indicar as edições mais procuradas, as melhores, bem como todo um conjunto de “nuances” que não podemos encontrar nos livros.
E aqui, vem a propósito uma conversa, que mantive com um dos meus estimados amigos livreiros, o qual me alertou para um pormenor numa edição dum livro de Ferreira de Castro, mas teve, igualmente, a humildade de admitir que os próprios clientes eram uma fonte de ensinamento, pois pelos seus conhecimentos mais aprofundados sobre os seus autores favoritos lhe davam muitas informações adicionais.
Podemos concluir que numa relação, franca e aberta, a informação funciona nos dois sentidos e só fortalecerá o conhecimento geral aonde todos lucram ... infelizmente isto são pequenos oásis, numa paisagem um pouco desértica.


Catálogo de Leilão
«ALDE - Maison de ventes aux enchères»
Livres ancien et modernes
Vente aux enchères publiques
Le mardi 25 novembre 2008 à 14 h 00

3) A visita de Blogs de bibliofilia, e existem vários de grande qualidade, é outro dos factores a ter em conta, nestes “tempos mais modernos” e em que a informação corre a uma velocidade vertiginosa que nos permite falar simultaneamente com outros apaixonados pelo tema em qualquer recanto do Mundo.

4) Outra fonte de informação são os Catálogos de Livrarias, de Leilões e de Bibliotecas que, pelas descrições dos espécimens bibliófilos (e quanto mais exaustivas forem melhor!).
Outro pormenor, igualmente pertinente, é analisar preços. Ainda que não exista nenhum “preçário”, nem isso seria exequível, podemos ver a margem de flutuação do preço para um determinado exemplar que nos interessa. (quanto ao seu preço em leilão, atenção que outros aspectos se devem considerar, como seja a clássica “teimosia” dos licitadores e acrescentar sempre ao “preço em praça” as comissões devidas!...)

5) Outra forma é visitar “virtualmente” várias livrarias on-line, para além das visitas “reais” sempre mais proveitosas,
Pode, igualmente, ver e comparar-se o preço de obras que possam interessar, para além de ver outras só pelo prazer do seu visionamento ...deliciar o nosso espírito também conta!


Librairie Auguste Blaizot

6) Ainda que possa parecer suspeito, pela minha assumida francofilia em termos literários, temos que admitir que a bibliofilia francesa é a mais avançada do mundo, quer se queira, quer não!
Claro que não é para se tomar como uma verdade absoluta ou para se fazer um decalque exacto das suas ideias, mas para sentirmos, como alguns dos bibliófilos franceses mais famosos, através das suas “estórias”, nos conseguem transmitir todos os sentimentos que atravessam o espirito do bibliófilo, que aconselho a leitura de alguns dos seus textos como, por exemplo, de Octave Uzanne e de Paul Lacroix, dito Jacob. (2)

Bom, já conhecemos alguns dos rudimentos da “arte” e decidimos iniciarmo-nos como bibliófilos.

Noção básica: “Força ... e muita paciência!”
Primeira questão: “Por onde começar?”

A escolha será sempre pessoal, cada um comprará aquilo de que gostar e que lhe der maior prazer, pois a sua biblioteca será certamente um reflexo, e talvez um dos melhores, da sua personalidade!


Livro Encadernado
(belos gravados a ouro)


Mas vejamos por onde poderemos começar:
1) penso que “consultar” alguns livros de séculos e autores diferentes no «Catálogo da Biblioteca Nacional Digitalizada»: http://purl.pt/index/geral/PT/index.html, ou no «Projecto Gutenberg» http://www.gutenberg.org/wiki/Main_Page, igualmente com obras de autores portugueses, poderá ser uma boa ideia para nos abrir algumas pistas.

2) se “formos às compras” o melhor será planificar “uma boa caçada”.
Consultar on-line algumas livrarias, sobretudo daquelas que já conhecemos os seus catálogos por serem bem nutridos e de consulta mais fácil, escolhermos alguns títulos, que queiramos depois avaliar e manusear – prazer insubstituível por qualquer outra forma de avaliação.

3) colocar uma ou duas questões ao Livreiro, por e-mail, parece-me interessante, pois se a Livraria for distante do local de residência pode dispensar-se uma viagem em vão e sempre dá “para tomar o pulso” ao tipo de contacto que nos pode esperar.

4) munidos dos nossos apontamentos, de muito entusiasmo, acautelados quanto aos gastos (a bolsa é sempre mais curta do que a nossa paixão gostaria!) e aí vamos nós para a "caça" – felizmente que aqui não existem armas apenas uma grande sensibilidade de espírito e uma grande dose de paciência.


Fac-símile de impressão (tamanho reduzido)
Ibarra, Madrid. 1772

Para já penso que deixei material com que nos podemos entreter a reflectir e depois:
“Mãos à obra e bom trabalho!”

Saudações bibliófilas.


(1) CUNHA, Xavier da – A Bíblia dos Bibliophilos – Divagações Bibliographicas e Biblioeconómicas pelo Director da Biblioteca Nacional de Lisboa. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1911. 103 pp. Brochado
(2) Consulte-se, para uma primeira visão, os Blogs: «Le bibliomane moderne» e «Blog du Bibliophile».


4 comentários:

Galderich disse...

Buenas reflexiones. A pesar de ello yo creo que quien quiera iniciarse en este extraño mundo de la bibliofília ha de dejarse llevar por sus intuiciones y como muy bien dices ha de comprar via internet pero también via presencial en las librerias porque no buscará, sino que encontrará.
Y paciencia, muhca paciencia y tener claro (y aquí está la gracia de la bibliofilia) que no es una colección cerrada, sinó totalmente abierta i no finita!

Rui Martins disse...

Caro Galderich
Se puede decir que estas son algunas de las líneas maestras pero, lo más importante, como siempre, es el pensamiento de cada un y su idealización de biblioteca.
Al buscar él seguramente encontrará es esto el placer de la “caza bibliófila”
Un abrazo

Marco Fabrizio Ramírez Padilla disse...

Estimado Rui.

Disfruto mucho este tipo de entradas, siempre dan pie a reflexionar, de alguna manera siento que en estas tertulias bibliófilas virtuales solamente nos falta el olor a papel antiguo, y estar rodeados de libros.

Saludos.

Rui Martins disse...

Estimado Marco Fabrizio,

Gracias por tu comentario.
A ti te gusta de leer para mi es un grande placer las escribir, pero tengo pena de pocos participen en la tertulia, cuanto a los libros nosotros sentimos su olor, pues estos están siempre cercanos…

Saludos